Colorido nos dedos: código permite identificação de cores por pessoas cegas
05 de janeiro de 2025 às 18:33
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As cores fazem parte do mundo e ajudam a significar diferentes informações do cotidiano. Mas e quem não enxerga? Como escolher uma roupa, usar cartões bancários e identificar remédios, produtos e objetos?. “As cores fazem parte da nossa vida, parte do nosso dia-a-dia. O mundo é colorido. E a Sandra trouxe essa alegria e essa facilidade para gente com o método da See Color”, afirma Ana Paula de Carvalho, 38 anos. O método citado por ela é um código de linguagem tátil, semelhante ao braille, criado para a identificação de cores por pessoas cegas.
Código permite identificação de até 94 tonalidades de cor; diferença em relação ao braille facilita uso (Foto: Divulgação/See Color) Descrição alternativa: Foto colorida das mãos de uma pessoa sob uma folha com códigos de cores em braille e no See Color
Projeto foi desenvolvido em pesquisa de doutorado na Universidade Federal do Paraná. Intenção é ampliar o uso do código por empresas e indústrias
Moradora de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, Ana Paula nasceu com catarata congênita. Aos 27 anos, um descolamento na retina a fez perder a visão do olho esquerdo e, aos 35 anos, um glaucoma afetou a sua visão do olho direito. O contato dela com o See Color foi em uma oficina na biblioteca do Instituto Paranaense de Cegos (IPC). “Hoje, eu consigo praticamente separar minha roupa sozinha, não preciso mais da ajuda de um guia-vidente”, descreve Ana Paula, sobre a autonomia que a linguagem tátil trouxe para o seu cotidiano.
Moradora de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, Ana Paula nasceu com catarata congênita. Aos 27 anos, um descolamento na retina a fez perder a visão do olho esquerdo e, aos 35 anos, um glaucoma afetou a sua visão do olho direito. O contato dela com o See Color foi em uma oficina na biblioteca do Instituto Paranaense de Cegos (IPC). “Hoje, eu consigo praticamente separar minha roupa sozinha, não preciso mais da ajuda de um guia-vidente”, descreve Ana Paula, sobre a autonomia que a linguagem tátil trouxe para o seu cotidiano.
O código de identificação de cores foi criado por Sandra Regina Marchi, durante o seu doutorado em Engenharia Mecânica na Universidade Federal do Paraná (UFPR). A iniciativa foi desenvolvida a partir da teoria das cores com o objetivo de promover a inclusão, independência e educação de pessoas cegas, com baixa visão e daltônicas.
"Sabe quando você olha para o céu? Vocês que são videntes olham para o céu estrelado e enxergam as estrelas de todas as cores brilhar, assim eu me sinto quando toco no código da See Color, como se o céu estivesse estrelado"
Dilma Lopes, cega e moradora de Borba (AM)
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui cerca de 7 milhões de pessoas com deficiência visual. Além desse público, o código também foi desenvolvido para ajudar pessoas daltônicas, que não conseguem perceber ou identificar determinadas cores. Em todo o país, a estimativa é de que 8 milhões pessoas possuam algum dos três tipos de daltonismo, sendo a maioria homens.
A base do método leva em consideração a figura de um relógio, com um traço horizontal que serve de referência especial. Nesse círculo cromático adaptado, as três cores primárias (vermelho, azul e amarelo) ficam dispostas em formato de um triângulo (com a base para baixo), assim como as três cores secundárias (laranja, roxo e verde) em um triângulo invertido. As cores branca e preta completam a figura em uma linha que corta o círculo ao meio. Cada cor é identificada por uma linha e um ponto, sendo que a partir dos oito códigos iniciais é possível reconhecer 94 variações de cores.
“O principal objetivo é proporcionar autonomia para as pessoas com deficiência visual, para elas não precisarem de ninguém e de equipamento nenhum, basta a ponta do dedo. E com isso, claro, melhora a autoestima, a inclusão e a qualidade de vida”, destaca Sandra. A patente do código pertence à UFPR e tem uso liberado pela See Color, empresa criada por Sandra para divulgar e ampliar o uso da linguagem tátil de cores pela comunidade cega.
Facilidade em relação ao braille
O braille é um sistema de escrita e leitura tátil em alto relevo e universal que pode ser utilizado com base em qualquer língua. Porém, parte considerável das pessoas cegas ou com baixa visão possui dificuldade na compreensão do braille, inclusive, por ser um código extenso. “Aprender o braille depois de uma certa idade é muito difícil. Eu sei escrever tranquilamente, mas eu não sei ler”, exemplica Ana Paula.
Ainda que o See Color utilize traços parecidos com o braille, a forma de escrita facilita a aplicação em objetos e produtos. “Abrir o guarda-roupa e falar: hoje eu vou de rosa, hoje eu vou de verde ou amarelo, é totalmente diferente. Porque é algo muito prazeroso você saber a cor de roupa que você está vestindo graças a um método tão simples”, destaca Ana Paula. O sentimento dela é compartilhado por Dilma Lopes.
"É uma quantidade de gente muito grande que, longe dessas informações em cores, muitas vezes não pode participar de muitas coisas e ficam à parte da sociedade. É mais um motivo de exclusão, quando elas não têm acesso a essa informação (da cor)"
Sandra Regina Marchi, criadora do See Color
Moradora de Borba, no Amazonas, Dilma aprendeu o método on-line, em uma vídeo-chamada com Sandra. Cega desde os 13 anos, ela conheceu o See Color por meio de um grupo no WhatsApp e chegou a organizar uma rifa para adquirir o kit pedagógico da linguagem tátil. Ao saber disso, a sua professora de braille Daniela Reis conseguiu o kit para que Dilma pudesse aprender e utilizar o código no cotidiano.
“Sabe quando você olha para o céu? Vocês que são videntes olham para o céu estrelado e enxergam as estrelas de todas as cores brilhar, assim eu me sinto quando toco no código da See Color, como se o céu estivesse estrelado”, conta Dilma. Para facilitar a identificação de suas roupas, ela utiliza uma agulha para fazer os pontos referentes a cada cor. “Eu mentalizei os pontos e vou fazendo nas roupas”.
Método é ensinado em oficinas no Instituto Paranaense de Cegos (Foto: Divulgação/See Color)
Duas fotos coloridas de oficinas do See Color. Na imagem da esquerda, aparece uma mulher com as mãos no triângulo da See Color que está sobre uma mesa branca, em primeiro plano aparece um livro com o título See Color. Na imagem da direita, aparece uma mesa com pessoas cegas sentadas em volta e diferentes materiais do See Color espalhados. Ao fundo, Sandra aparece em pé e segura um material, enquanto explica o método.
Autonomia
Pamela Carolini, 32 anos, mora em Colombo, outra cidade da região metropolitana de Curitiba. Ela perdeu a visão após complicações de uma cirurgia bariátrica em 2022. Desde então, ela tem reorganizado sua rotina e aprendeu o See Color em uma oficina no IPC. “Eu sempre gostei de cores, principalmente as cores mais fortes, vibrantes, coisas bem coloridas. A See Color tem me ajudado muito. É um código muito fácil de aprender. Acho que em menos de dez minutos eu consegui aprender”, lembra Pamela, formada em Pedagogia e confeiteira “por amor”.
"Se na escola tiver um baixa visão, um daltônico ou um cego, ele vai aprender junto. Se eu falar isso aqui é pra cego, ninguém chega perto. Mas quando a gente fala sobre teoria das cores, todo mundo gosta e isso vira um jogo"
Sandra Regina Marchi, pesquisadora e criadora do See Color
Hoje, Pamela consegue identificar seus cartões, roupas, sapatos e outros objetos, inclusive suas bengalas. Em geral, bengalas brancas são usadas por pessoas cegas, verdes por pessoas com baixa visão e vermelho e brancas para surdocegos. Apesar disso, muitas pessoas gostam de variar. “Eu tenho bengala do mesmo tamanho, só muda a cor. Eu uso a minha, eu tenho a branca e uma rosa-pink, porque sou muito apaixonada por pink. Para sair no dia-a-dia, uso a pink, e quando é algum outro evento, eu uso a branca. Estou querendo comprar uma preta agora, sempre está combinando com o look do dia-a-dia”.
Assim como Ana Paula, Pamela considera as cores em braille difíceis de identificar. A confeiteira defende que empresas e indústrias considerem a alternativa como uma forma de tornar o consumo acessível. “Uma mulher cega também se maquia, gosta de passar um batom, mas imagina, você está com uma roupa de uma cor, e passa um batom totalmente diferente”, acrescenta Ana Paula.
Objetivo é ampliar o uso do método por empresas e indústrias (Foto: Divulgação/See Color)
Parcerias e futuro
Sandra explica que antes já haviam sido desenvolvidos outros códigos para identificação de cores por pessoas cegas, mas nenhum teve adesão pela comunidade. Por isso, a pesquisadora procurou simplificar ao máximo a linguagem tátil do See Color. “É uma quantidade de gente muito grande que, longe dessas informações em cores, muitas vezes não pode participar de muitas coisas e ficam à parte da sociedade. É mais um motivo de exclusão, quando elas não têm acesso a essa informação (da cor)”.
O código já foi adotado pelo Instituto Benjamin Constant, uma das instituições referências em educação de cegos no Brasil e na América Latina. O desafio agora é fazer com que as indústrias adotem o método. “As empresas perguntam: o que nós vamos ganhar com isso? Quantos cegos têm? Eles não entendem isso ainda como uma coisa que pode ser um upload, uma coisa a mais pra empresa perante a sociedade”.
Até o momento, Sandra já conseguiu algumas parcerias com uma empresa de Maringá para a produção de etiquetas termocolantes para serem colocadas em roupas. Além disso, uma indústria de moda fitness e uma de bengalas também procuraram a empresária para conversar sobre o See Color.
A linguagem tátil em alto relevo para cores também foi implementada em um laboratório de química da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Eles estavam recebendo alunos com deficiência visual e queriam tornar o laboratório acessível. E na química tudo é a partir de cor, aí desenvolveram etiquetas adesivas para os químicos, para a pessoa saber o que está pegando e a periculosidade daquilo”, explica a pesquisadora.
O kit pedagógico também é utilizado em oficinas no Instituto Paranaense de Cegos e tem sido apresentado em escolas da rede pública. Segundo Sandra, o resultado tem sido bastante positivo, principalmente, por potencializar a educação inclusiva. “Se na escola tiver um baixa visão, um daltônico ou um cego, ele vai aprender junto. Se eu falar isso aqui é pra cego, ninguém chega perto. Mas quando a gente fala sobre teoria das cores, todo mundo gosta e isso vira um jogo”. A expectativa compartilhada por Sandra, Pamela, Ana Paula e Dilma, é de que cada vez mais pessoas possam entrar nesse jogo.