‘As mentiras que os homens contam’

08 de fevereiro de 2025 às 18:50

notícias/ICL notícias
Os humanos somos especializados em mentir. Não se trata apenas de pensar na era das fake news e nas canastrices de Trumps e similares. Trata-se na verdade de observar o cotidiano. De quantas mentiras ou mentirinhas somos feitos? De que perigosas mentiras nos mantemos? Já pensou se por um dia fôssemos o personagem de Jim Carrey no filme “O mentiroso” e de súbito adquiríssemos uma consciência limpa, limpíssima para dizer exatamente aquilo que precisa ser dito?
 

‘Retrato do Louco Olhando Através de Seus Dedos’, do pintor
flamengo Frans Verbeeck (1510-1570).
Domínio Público.
 
"De quantas mentiras ou mentirinhas somos feitos?
De que perigosas mentiras nos mantemos?"
 
Oi, bom dia! Tudo bem?” Responderia: “Que nada! Tudo uma grande porcaria! Você acha mesmo que é possível estar bem com todo esse estado de coisas no mundo?” Ou então um amigo perguntaria: “Escuta, fale sobre fulano ou beltrano, como ele é?” Responderia: “Um canalha manipulador!” Já pensou a guerra que seria se a diplomacia da mentira não imperasse no nosso cotidiano? Talvez não houvesse a assim chamada “civilização”, certamente construída em cima de infinitas mentiras. Ninguém, desde a mais tenra idade escapa dela, a mentira.
 
​​Do latim “mentior”, “mentira” ecoa o som da falsidade, do fingimento. “Menda”, em latim, significa “defeito”, e a raiz indo-europeia “mend” evoca a imagem de um corpo mutilado. A mentira, como um fato mutilado, carece da força da verdade para se sustentar. Em grego, o prefixo “pseudo” (ψευδο), com o significado de “falso”, “mentiroso” ou “imitação”, é utilizado para formar palavras compostas que indicam que algo não é autêntico ou genuíno, mas sim uma imitação ou falsificação. Sua origem remonta ao adjetivo grego pseudés (ψευδής), que compartilha o mesmo significado. Com efeito, em diversas áreas do conhecimento, como ciência, filosofia, literatura e direito, o prefixo “pseudo” é empregado para classificar aquilo que não corresponde à realidade ou à verdade. Ora, acho que não precisamos ir mais a fundo nas línguas (ferinas) ou na linguagem para percebermos que a “mentira” é tão antiga quanto a história e a filosofia humana.
 
Existem, certamente, as “mentiras sinceras”, como já cantou Cazuza, ou um livro todo dedicado às “mentiras que os homens contam”, do inescapável Veríssimo (que tem verdade até no nome). Contudo, gostaria de evocar aqui um outro personagem, o Simplicio, de um romance de 1869 – de Joaquim Manuel de Macedo – “A Luneta Mágica”. Pois Macedo narra a história de Simplicio, um homem míope, “tanto física quanto moralmente”. Ao receber uma luneta (lentes ou os óculos da época) especial, ele é capaz de ver muito além das aparências. Contudo, é alertado sobre os perigos de seu uso. Inicialmente, ele vê apenas o “Mal” nas pessoas, o que o leva à beira da loucura. Em seguida, passa a ver apenas o “Bem”, sendo assim facilmente enganado. Ou seja, de muitas maneiras, na esteira da fábula moral de “A Luneta Mágica”, Simplicio somos todos nós diante dos dilemas morais do cotidiano de hoje.
 
Para além do “bem e do mal”, somos instados e testados o tempo todo numa trama, numa rede de mentiras e disputas que nos leva à profunda exaustão. De que perigosas ambições nos mantemos? Digamos que há outras maneiras de termos a tal luneta mágica, sabendo dizer “Não!”, ou se arriscando a usar a luneta da sinceridade ou “sincericídio.” A impressão geral é a de que, cada vez mais, fazer parte de qualquer microfísica do poder neoliberal, fazer parte da “loucura da razão econômica” é sempre usar a luneta de maneira enviesada e enlouquecer, afinal tudo isso é – como diz a canção – uma máquina de louco, e nesse caso, “que não é feliz, não é feliz.” Uma gente, essa gente, que é como o alerta de Simplicio: “Myopia moral:—sou sempre escravo das idèas dos outros; porque nunca pude ajustar duas idéas minhas.
 
Por Lindener Pareto, professor e Historiador. Mestre e Doutor pela USP. Curador Acadêmico no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Apresentador do “Provocação Histórica", programa semanal de divulgação de História, Cultura e Arte nos canais do ICL.
Leia a íntegra da matéria no ICL Notícias: https://iclnoticias.com.br/