Foi-se o tempo em que as livrarias de Salvador e provavelmente do Brasil, nos meses de dezembro a fevereiro viviam lotadas de mães e pais, escolhendo os melhores preços de compra dos livros e materiais escolares dos seus filhos. Não queremos tratar de saudosismo ou mesmo ir na contramão da evolução tecnológica, mas abordar um tema extremamente sensível e triste para a educação, bem como servir de alerta para algumas questões profundas.

Foto: Divulgação MEC
Escolas particulares em Salvador e também em várias cidades da Bahia estão impondo aos pais de alunos a compra do material didático, sobretudo, módulos com o discurso de que essa forma concentra conteúdos e torna a organização das disciplinas mais fáceis e o acesso a uma plataforma digital com um conjunto de atividade, inclusive avaliações.
O que incomoda os familiares é que esse material e acesso aos portais de atividades, além de ser muito caro (chegando a custar até R$ 8 mil em algumas escolas), dura apenas um ano e contraria a Lei Municipal nº 9.713/2023 (cidade de Salvador) que determina que o material didático permaneça o mesmo por três anos, permitindo a reutilização.
Nesse sentido, os responsáveis já acionaram o Ministério Público e aguardam providências. Enquanto essa resposta não vem, os pais são obrigados a fazer a compra casada e não podem adquirir apenas um livro ou reutilizar os módulos do ano anterior, pois esse material só pode ser vendido em kit fechado, pois as escolas têm contrato com editoras e sistemas de ensino que lucram horrores nesse processo. Dessa forma, pode-se dizer que a lei que se estabelece é: ou paga pelo kit completo ou seu filho será prejudicado não tendo acesso as senhas para plataformas digitais e atividades.
Outra questão de fundo é que a educação modular é um atraso para a educação brasileira e impor esse fomato é o cúmulo de um modelo já questionado por Paulo Freire conceituado como Educação Bancária. E esse termo ‘bancário’ nesse contexto ganha dois sentidos: o sentido da exploração econômica, do lucro que as escolas e sistemas de ensino estão tendo com a imposição da venda desse material e o sentido de uma educação engavetada, positivista, que não reflete os acontecimentos e realidades locais, uma educação que limita os indivíduos e não liberta em suas potencialidades técnicas e criativas.
Paulo Freire infere uma educação libertadora e emancipadora, isso significa que a educação não deve se limitar a oferecer conteúdo didático, mas contribuir para formar cidadãos críticos, que conheçam a cultura e história local para que possam modificar e melhorar a vida dos cidadãos. O questionamento que fazemos é se esse material modulado reflete a história local, etnias e diferentes culturas, como preconiza a LDB. Ademais, a Lei nº 10.639/2003 e a Lei 11.645/2008 tornaram obrigatórios os estudos das culturas afro brasileiras e indígenas. Será que materiais modulados para todo o Brasil abarcam as diferentes culturas obrigatórias por lei nesses conteúdos? Será que o módulo atende as diferentes regiões como por exemplo o que se estuda na Bahia e Santa Catarina?
Não queremos aqui privar o aluno de conteúdos comuns postos pela LDB, mas trazer para o estudante uma educação próxima e real daquilo do que se é vivido, porque como abordava Paulo Freire, a educação precisa fazer sentindo. E como ficam também as questões financeiras, porque muitos pais que tem mais de um filho não podem reaproveitar o material de um filho para outro, ou mesmo o material de um colega, como era feito no passado. A quem atende esse mercado de venda de plataformas digitais e livros didáticos? Onde entra a autonomia do professor na escolha do material? Todas essas questões dariam uma tese a serem discutidas e investigadas. Por ora fica a reflexão.
Por
Ivandilson Miranda Silva, doutor em Educação e Contemporaneidade pela UNEB e Mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA. Professor. E-mail: ivanvisk@gmail.com