Mulheres no algodão: a gestão feminina na Abapa fortalece a causa

08 de março de 2025 às 19:43

calendário/dia da mulher
O agronegócio brasileiro tem passado por transformações significativas, e a cotonicultura baiana não fica de fora desse movimento. Embora a presença feminina ainda enfrente desafios estruturais, iniciativas concretas vêm ajudando a ampliar a participação das mulheres no setor, principalmente em funções estratégicas.
 

Fotos: Assimp Abapa
 
Na Bahia, segundo maior produtor de algodão do Brasil, a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) tem atuado ativamente para fortalecer essa presença. Além de contar, mais uma vez, com uma mulher na presidência, a produtora rural Alessandra Zanotto Costa – que estará no comando da instituição no biênio 2025/2026 e pode continuar pelo 2027/2028 – a entidade tem uma diretoria com participação feminina expressiva. Patrícia Kyoko Portolese Morinaga, Ana Paula Franciosi, Elisa Zancanaro Zanella e Liliana de Oliveira Zempulski compõem o Conselho Diretor, enquanto Isabel da Cunha, primeira mulher a presidir a Abapa, integra o Conselho Consultivo.
 
Alessandra Zanotto Costa carrega essa transformação também em sua própria trajetória. Filha de um produtor rural sem herdeiros homens, ela se tornou sucessora do Grupo Zanotto, mas precisou conquistar, passo a passo, seu espaço dentro do negócio da família. "Convencer meu pai a considerar minha opinião na decisão final custou energia", lembra Alessandra. Esse esforço, no entanto, moldou sua liderança. Hoje, além de estar à frente do grupo, ela lidera a Abapa e integra foros importantes do setor, como o Women in Cotton, do ICAC, e o Forbes Mulher Agro.
 
A trajetória de Alessandra, assim como a de Isabel da Cunha, Ana Paula Franciosi, Liliana Zempulski e Elisa Zanella, reforça que a presença feminina na cotonicultura não é apenas uma tendência, mas uma realidade que se consolida a cada dia. Cada uma, à sua maneira, construiu sua trajetória no agro, superando desafios e contribuindo para um setor mais diverso e dinâmico.
 
Capacitação feminina
 
O avanço da equidade na cotonicultura passa por ações concretas. Um dos principais exemplos desse esforço está na formação técnica de mulheres. Desde 2010, o Centro de Treinamento e Tecnologia (CT) da Abapa já qualificou mais de três mil mulheres, preparando-as para atuar em diversas funções da produção agrícola, inclusive em áreas tradicionalmente ocupadas por homens, como a operação e manutenção de máquinas agrícolas. A partir de 2021, foram criadas turmas exclusivas para mulheres, ampliando ainda mais as oportunidades. "A difusão do conhecimento gera um ativo importante para quem se beneficia dessas capacitações. Isso se traduz em empregabilidade, maior renda e desenvolvimento socioeconômico regional", destaca Alessandra.
 
Além da formação profissional, a entidade tem promovido e participado de eventos que debatem o papel das mulheres no setor, criando um ambiente de fortalecimento e troca de experiências. "Esse movimento tem atraído muitas mulheres que ainda estavam hesitantes em mostrar seus talentos e valor. O exemplo arrasta", reforça Alessandra.
 
Os desafios, no entanto, ainda são grandes. De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), nas fazendas certificadas pelo programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), durante a safra 2023/2024, dos 41 mil empregos diretos gerados na produção da fibra, apenas 4.891 foram preenchidos por mulheres, representando menos de 10% do total. Esse percentual diminui ainda mais quando se trata de cargos de liderança e tomada de decisão dentro das fazendas e outras frentes da produção.
 

Alessandra Zanotto
Como destaca Alessandra, essa mudança vai além de uma pauta social – é uma questão de competitividade e eficiência para toda a cadeia produtiva do algodão. "Empresas que apostam na diversidade são mais produtivas e inovadoras. Propriedades agrícolas que incluem a visão feminina nas tomadas de decisão são mais eficientes e sustentáveis. O algodão brasileiro, reconhecido mundialmente pela sua qualidade, só tem a ganhar com mais equilíbrio e inclusão."
 
Para que esse avanço continue, é preciso seguir investindo na capacitação, na construção de redes de apoio e na criação de oportunidades reais para as mulheres no setor. "Um dia não precisaremos falar de equidade, pois a questão estará superada. Até lá, precisamos criar as condições para que a realidade que sonhamos para a produção de algodão possa de fato ganhar corpo e prosperar."
 
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Isabel da Cunha: raízes no campo e um legado de liderança
 

Isabel da Cunha
Desde criança, Isabel aprendeu que a terra era mais do que solo e semente - era história, identidade e futuro. Nascida em Tapera, no Rio Grande do Sul, ela cresceu vendo o pai trabalhar na lavoura, e o campo logo se tornou parte de quem ela era. Em 1974, sua família mudou-se para Corbélia, no Paraná, onde a conexão com a agricultura se fortaleceu ainda mais. Lá, Isabel trabalhou em cooperativas e acompanhava o pai sempre que podia, absorvendo cada detalhe da vida no campo.
 
Percebendo o potencial do cerrado baiano, em 1983, mudou-se para a Bahia e, juntamente com sua família, começou a construção da Fazenda Marechal Rondon. O trabalho na fazenda era intenso e desafiador, mas a determinação e dedicação da família fizeram com que prosperassem no setor. Atualmente, Isabel é diretora do grupo Ilmo da Cunha.
 
Seu ingresso na Abapa aconteceu de forma natural. Em 2000, participou da primeira reunião para a fundação da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) e, em 2002, foi eleita tesoureira da entidade, tornando-se a primeira mulher a integrar a diretoria de uma associação estadual de produtores de algodão. Aos poucos, assumiu diferentes cargos dentro da entidade, passando pelo conselho consultivo, atuando como primeira secretária, vice-presidente e, posteriormente, presidente da Abapa. Sua eleição para a presidência marcou a história da associação, sendo a primeira mulher a ocupar essa posição.
 
Foi um momento significativo para o setor, tradicionalmente dominado por homens. Com sua gestão, Isabel mostrou que liderança não tem gênero, mas sim competência, visão e comprometimento. Sua presença abriu portas e inspirou outras mulheres a ocuparem espaços dentro do agronegócio. Posteriormente, também foi vice-presidente da Aiba no biênio 2015/2016 e membro titular do Conselho Gestor do Instituto Brasileiro do Algodão. Fez parte do conselho fiscal da Abrapa, por três gestões. 
 
Ao olhar para trás, Isabel diz se sentir realizada pelo caminho que trilhou. Hoje, vê as mulheres ocupando cada vez mais espaço no agronegócio, aprendendo sobre máquinas, liderando fazendas, participando ativamente das decisões do setor. E sente orgulho de saber que, de alguma forma, ajudou a pavimentar esse caminho.
 
Seu conselho para as novas gerações de meninas que desejam trabalhar no segmento é que nunca esqueçam de onde vieram, valorizem suas raízes e sigam em frente sem perder a essência. Porque, no fim, a terra ensina muito mais do que plantar e colher. Ensina sobre resiliência, coragem e, acima de tudo, compromisso com o que se faz.
 
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Ana Paula Franciosi: liderança jovem no agronegócio
 

Ana Paula Franciosi
Ana Paula Franciosi, de 26 anos, é gestora do Grupo Franciosi, um conglomerado agropecuário que produz soja, algodão, milho e feijão. Desde 1986, o grupo se estabeleceu na região de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, e em 2019 foi reconhecido pela revista Forbes como uma das 100 maiores empresas do agronegócio no Brasil. Ana Paula representa a segunda geração da família na gestão dos negócios. Além da atuação no Grupo, ela também integra o conselho diretor da Abapa.
 
Sua trajetória no agronegócio está profundamente ligada à história de seus pais, que deixaram o Rio Grande do Sul em busca de novas oportunidades. Ao chegarem na Bahia, enfrentaram desafios como a falta de infraestrutura. Com muito esforço e dedicação, construíram e expandiram o Grupo Franciosi. Crescendo nesse ambiente, Ana Paula se envolveu naturalmente com o setor, mesmo tendo passado parte da sua vida em Porto Alegre. Sempre soube que queria retornar para a fazenda e dar continuidade ao legado familiar.
 
Sobre a participação feminina no agronegócio, acredita que os desafios não são maiores apenas por se tratar de mulheres. Para ela, o setor tem se tornado cada vez mais inclusivo e aberto à presença feminina. Como exemplo, menciona que, pela primeira vez, o Grupo Franciosi contratou uma operadora de colheitadeira. 
 
Atualmente, Ana Paula lidera o setor de investimentos do Grupo Franciosi, sendo responsável por todas as decisões relacionadas a novas tecnologias, infraestrutura e irrigação. Embora também participe das operações diárias, seu foco principal está nos projetos de expansão e desenvolvimento do grupo.
 
Para os jovens que desejam ingressar no agronegócio, Ana Paula diz que investir em educação e capacitação é o principal. “Para aqueles que fazem parte de famílias já estabelecidas no setor, é essencial buscar experiências em outras áreas, pois isso proporciona uma visão mais ampla e conhecimento que pode ser aplicado ao agronegócio. Dessa forma, é possível contribuir de maneira mais inovadora e estratégica para a evolução do setor”, finaliza.
 
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Liliana Zempulski: preservando o legado da família
 

Liliana Zempulski
Liliana Zempulski nasceu em uma família de agricultores e, desde pequena, esteve conectada ao agronegócio. Sua família migrou do Rio Grande do Sul para a Bahia quando ela tinha apenas um ano de idade, estabelecendo-se em Barreiras em 1984. Seu pai, já envolvido no setor, iniciou seu trabalho em uma fazenda da qual era sócio com o irmão.
 
Apesar da forte presença do agro em sua vida, Liliana decidiu inicialmente trilhar um caminho diferente. Mudou-se para São Paulo para cursar Psicologia na PUC-SP, formando-se em 2008. Após a graduação, retornou à Bahia para atuar no setor de Recursos Humanos da Agrosul. Com o tempo, passou por diversas áreas dentro da empresa, como o setor de peças e vendas, acumulando experiências importantes. Após cinco anos, decidiu se dedicar integralmente à psicologia, atuando por sete anos em seu próprio consultório e especializando-se em neuropsicologia.
 
Com a chegada da maternidade, Liliana sentiu a necessidade de uma nova transição profissional. Decidiu então ingressar nos negócios da família, atuando inicialmente na área administrativa da fazenda e, posteriormente, na comercialização de insumos e na venda de produtos como soja e algodão. Hoje, divide seu tempo entre o escritório e as visitas à fazenda ao lado do pai, Seu objetivo é aprender todos os aspectos do negócio para, junto com seus irmãos, dar continuidade ao legado construído por seu pai.
 
Apesar de reconhecer que o setor agropecuário ainda é predominantemente masculino, Liliana acredita que o mercado está cada vez mais aberto para a participação feminina. Ela vê o agronegócio como um setor de grande potencial e incentiva outras mulheres a buscarem conhecimento, desenvolverem suas habilidades e se inserirem no mercado com profissionalismo e ética.
 
Atualmente, Liliana se sente realizada no agronegócio, encontrando satisfação tanto no trabalho quanto na continuidade do negócio da família. Seu compromisso é manter vivo o legado deixado por seu pai e enfrentar os desafios do setor com determinação e visão estratégica. Seu conselho para quem deseja ingressar no agro é simples e direto: agir com seriedade, ética e dedicação, pois os resultados virão com o tempo.

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Elisa Zanella: trajetória e liderança feminina no agro
 

Elisa Zanella
Filha de produtores rurais, Elisa Zancanaro Zanella se formou em biologia e, há 15 anos, trabalha nos negócios da família, o Grupo Decisão, como gerente administrativo e sócia-proprietária. Nas fazendas são cultivados algodão, feijão, soja, trigo, sorgo e milheto. Mãe de Hendri e Clara, Elisa está prestes a dar à luz Bianca. Além de sua atuação no Grupo, ela também integra o conselho diretor da Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa).
 
Vinda de uma família de agricultores, Elisa tem suas raízes profundamente ligadas ao campo. Seus bisavós, tanto maternos quanto paternos, eram agricultores. Seu bisavô materno foi o primeiro empreendedor da família, iniciando com uma madeireira no Paraná. Ele adquiriu terras para extração de madeira e, com o tempo, expandiu os negócios para o Mato Grosso e Minas Gerais. Com a divisão das terras entre os filhos, o avô de Elisa herdou uma parte e, posteriormente, também dividiu entre seus sete filhos. Assim, sua mãe e seus tios deram continuidade ao crescimento do empreendimento.
 
Ao se formar em biologia, Elisa já era mãe de um filho de um ano quando recebeu o convite de seu pai para trabalhar na fazenda. Inicialmente, relutou, pois nunca havia pensado em seguir essa carreira. Sempre que mencionava outros cursos, como arquitetura, administração ou nutrição, sua mãe destacava como poderiam ser úteis para a fazenda, o que a fazia resistir à ideia. No entanto, já ajudava sua mãe na parte administrativa durante as férias, e a transição para o trabalho na fazenda ocorreu naturalmente. Começou atuando em diferentes setores e, aos poucos, seu pai lhe delegou responsabilidades. Como bióloga, assumiu a parte ambiental e, com o tempo, foi conhecendo melhor o agronegócio, seus desafios e oportunidades. Hoje, já são 15 anos de dedicação.
 
Elisa acredita que a mulher pode desempenhar qualquer função no agro, mas ainda enfrenta desafios específicos. Por exemplo, quando engravidam, seguem sendo as principais responsáveis pelos filhos. Para ela, a mulher consegue conciliar tudo, mas ainda carrega a maioria das responsabilidades familiares, o que nem sempre é compartilhado igualmente.
 
O agronegócio, para Elisa, é um universo fascinante. Para quem está de fora, pode parecer que é apenas plantar, colher e cuidar do solo, mas, na realidade, cada safra traz novos desafios e oportunidades. O setor tem um impacto econômico e ambiental gigantesco, sendo essencial para alimentar o mundo e fornecer insumos para diversas indústrias.
 
Assimp ABAPA