A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou
Ação Civil Pública contra a empresa Brasil Paralelo pela publicação de vídeo com conteúdo desinformativo sobre o caso Maria da Penha, no qual são apresentados argumentos distorcidos e informações incompletas sobre o processo judicial que condenou o ex-marido da farmacêutica Maria da Penha Fernandes e levou à elaboração da lei que criou mecanismos para coibir a violência doméstica no país.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ação Civil Pública cobra do Brasil Paralelo indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos e publicação de conteúdo pedagógico e informativo |
O vídeo dá ênfase às teses apresentadas à Justiça pela defesa do ex-marido de Maria da Penha, sem considerar apropriadamente que tais alegações foram rejeitadas em processo judicial com direito ao contraditório e ampla defesa. O conteúdo foi produzido pela própria empresa e disponibilizado em suas redes sociais e plataforma a assinantes.
A Ação Civil Pública pede a condenação da empresa ao pagamento de indenização no valor de R$ 500 mil por danos morais coletivos, além da obrigação de publicar conteúdo pedagógico e informativo elaborado pelo Ministério das Mulheres sobre o caso Maria da Penha.
A AGU sustenta na ação que, a narrativa do vídeo passa a impressão de que a versão da defesa do ex-marido de Maria da Penha não foi considerada pelas autoridades, quando, de fato, o sistema de justiça brasileiro, com base no conjunto das provas apuradas e confirmadas no inquérito policial e na instrução processual, reconheceu a tentativa de feminicídio praticada contra Maria da Penha e condenou seu então marido pela autoria. Esse caso é acompanhado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Segundo a AGU, ao gerar descrédito sobre a lei e as políticas públicas que levam o nome de Maria da Penha, o conteúdo desinformativo pode promover discursos de ódio, fomentar novas violações aos direitos da vítima e à esfera coletiva de todas as mulheres que recorrem às políticas públicas protetivas com base na lei de Maria Penha.
"Há uma nítida intenção de gerar descrédito sobre o julgamento, atingindo, primeiramente, a atividade jurisdicional do Estado, além da própria credibilidade do caso que nomeou umas das principais leis de proteção da mulher contra a violência doméstica e familiar, e, consequentemente, de todo um conjunto de políticas públicas que se amparam na referida lei", diz trecho da ação.
"Se o caso que deu origem à Lei Maria da Penha está sendo posto em descrédito, as mulheres 'anônimas' perdem a expectativa de que será dada credibilidade à sua palavra”, sustenta a AGU na ação.
A AGU pede na ação que nota de esclarecimento elaborada pelo Ministério das Mulheres seja publicada pela empresa Brasil Paralelo em todas as plataformas em que o vídeo estiver disponível. Confira a íntegra da nota:
"O conteúdo mostrado neste vídeo não expressa a verdade sobre o crime praticado contra Maria da Penha. A Justiça brasileira condenou o agressor Marco Antonio Heredia Viveros por tentativa de feminicídio e o Brasil foi responsabilizado internacionalmente pelo caso.
Este vídeo pode incentivar ódio e novas violências contra Maria da Penha e contra todas as mulheres que buscam apoio nas políticas públicas de proteção baseadas em lei.
Nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada. Para informações sobre direitos, serviços ou denunciar violência contra a mulher, Ligue 180".
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Ataques online
A divulgação do vídeo objeto da ação fomentou uma onda de ataques online e comentários misóginos (contra as mulheres) nas redes sociais, ligados ao caso Maria da Penha, de acordo com análise realizada pela AGU e citada na ação. A AGU também identificou picos de buscas na internet pela expressão "Maria da Penha mentiu" nos dias subsequentes ao lançamento do vídeo.
A atuação da AGU na ação foi feita por meio da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD). A PNDD integra a Procuradoria-Geral da União (PGU), órgão de direção superior da AGU, e possui competência para representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas amparadas em valores democráticos e direitos constitucionalmente garantidos, cuja proteção seja de interesse da União.
A ação reforça que é da União, representada judicialmente pela AGU, a obrigação de promover a defesa das políticas públicas federais, no caso, as políticas públicas que visam garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares. Também é atribuição da União ver cumpridas as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no processo que julgou a atuação do Estado brasileiro no caso Maria da Penha.
Além das políticas públicas federais de proteção às mulheres, a AGU sustenta na ação que é interesse da União a promoção da defesa do direito à informação íntegra, ou seja, o direito da coletividade de receber informações dotadas de integridade e respeito à verdade dos fatos. "Acrescente-se que a União, no caso, por meio do Ministério das Mulheres, realiza todo um dispêndio (notadamente de recursos humanos e financeiros) para promover a elaboração e a divulgação de informações íntegras sobre o tema", diz trecho da ação.
Além dessa ação civil pública, a AGU ajuizou 100 ações regressivas para cobrar R$ 2,5 milhões de autores de feminicídios em várias partes do País.
O caso Maria da Penha
Em 1983, Maria da Penha Fernandes foi vítima de tentativa de feminicídio por parte de seu então marido, Marco Antonio Heredia Viveros. Ela foi atingida por um tiro que a deixou paraplégica devido a lesões irreversíveis na coluna. Em sua defesa, Marco Antonio declarou que o disparo teria sido fruto de uma tentativa de assalto, versão que foi rejeitada no curso do processo judicial.
O ex-marido de Maria da Penha teve a condenação confirmada judicialmente por duas vezes, em 1991 e 1996, mas a pena não foi cumprida sob a alegação de irregularidades processuais.
Em 1998 o caso foi denunciado para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), que, em 2001, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.
A CIDH emitiu quatro recomendações ao Brasil: completar o julgamento do processo penal do responsável pelas agressões; investigar os motivos que levaram à demora na análise do caso pela Justiça; assegurar à vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações; e efetivar um processo de reforma que evitasse a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil.
Após debate entre a sociedade, Executivo e Legislativo, foi sancionada, em 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), primeiro diploma legal do país a tratar especificamente da violência doméstica.
Ascom AGU/Governo Federal