Justiça condena Igreja Universal a indenizar fiel que vendeu padaria para doar dinheiro

29 de março de 2025 às 12:06

justiça/TJPE
A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) a pagar R$ 30 mil a um ex-devoto que doou praticamente todo o seu patrimônio, incluindo uma padaria, após ser convencido por um pastor de que sua vida mudaria. A decisão da 5ª Câmara Cível do tribunal foi unânime e rejeitou o recurso da instituição religiosa. A informação foi divulgada pelo portal UOL.
 

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(Foto: Divulgação)
 
Decisão do TJPE considerou abusiva
a conduta do pastor, que teria explorado
a vulnerabilidade do fiel
 
O caso ocorreu em uma unidade da Igreja Universal localizada no bairro Santo Amaro, em Recife (PE). O homem, de 50 anos, relatou ter vendido sua padaria e entregue o valor ao líder religioso após ouvir que "se tocasse no sacrifício, sua vida não mudaria". Conversas registradas por mensagens de áudio e WhatsApp foram apresentadas como provas no processo, evidenciando a coação. "Sacrifício é toda a força. O senhor vai ficar na mesma, ou com a vida pior ainda, porque rejeitou o altar", afirmou o pastor em um dos áudios analisados pelos desembargadores.
 
Para o relator do caso, desembargador Agenor Ferreira de Lima Filho, a liberdade religiosa deve respeitar os princípios da boa-fé e da dignidade da pessoa humana. Ele destacou que o líder religioso ultrapassou os limites da prática da fé ao se aproveitar da fragilidade emocional do fiel. "A imposição de tais expectativas, positivas e negativas, explorando a fé e a fragilidade emocional, excede os limites da liberdade religiosa, configurando verdadeiro abuso de poder e má-fé", escreveu o magistrado em seu voto.
 
A decisão judicial também citou outras mensagens do pastor, em que ele alegava que, sem a doação, "o diabo usaria a ex-mulher e a filha dela para tirar tudo" do fiel. O tribunal considerou que essas declarações induziram medo e submissão, associando a fé à entrega incondicional de bens, o que viola o princípio da autonomia da vontade. Segundo os autos, o pastor instruiu o padeiro a vender todos os seus bens e entregar o dinheiro à igreja, mesmo sabendo que ele ficaria sem meios de subsistência. "Não toca naquilo que é sacrifício, seu Manoel. Se o senhor tocar, sua vida não vai mudar", dizia o religioso em outro áudio. Além disso, ele reforçava que o fiel não deveria dividir o dinheiro com sua ex-companheira: "Pega tudo que o senhor tem, põe no altar, no sacrifício, pra Deus te abençoar".
 
A sentença de primeira instância concluiu que houve coação moral e abuso de direito, pois o discurso religioso foi utilizado para gerar medo, isolar o fiel de sua rede de apoio e levá-lo a doar todo o seu patrimônio. A padaria vendida era sua única fonte de renda.
 
Igreja universal nega irregularidades e promete recorrer
 
Procurada pelo UOL, a Igreja Universal do Reino de Deus negou que tenha cometido qualquer irregularidade e afirmou que a decisão representa uma interferência indevida do Estado na relação entre um fiel e sua igreja. "Nenhuma igreja ou instituição assistencialista que depende de doações voluntárias poderia existir se a lei não a protegesse de supostos 'doadores arrependidos'", declarou a Universal em nota.
 
A instituição ainda alegou que o ex-devoto é "uma pessoa esclarecida e totalmente apta e capaz de assumir suas próprias decisões", ressaltando que ele já havia feito ofertas voluntárias anteriormente. Por fim, a igreja informou que recorrerá da decisão, por considerar que não teve oportunidade de apresentar provas na primeira instância.
 
Possível precedente jurídico
 
Para especialistas em direito, a decisão do TJPE pode abrir precedentes para responsabilização de instituições religiosas em casos semelhantes. "É um bom precedente, porque reconhece haver limites para a liberdade religiosa quando ela colide com a dignidade humana", afirma Virgínia Machado, professora do Centro Universitário Uniarnaldo. Se a decisão for mantida em instâncias superiores, pode consolidar uma jurisprudência mais protetiva aos fiéis vulneráveis.
 
Leia a íntegra da matéria no Brasil 247: https://www.brasil247.com/