Uma pesquisa publicada em janeiro na
revista científica Nature medicine trouxe uma descoberta importante sobre a segurança da terapia celular CAR-T, um dos avanços mais promissores no tratamento de cânceres hematológicos. De acordo com os pesquisadores, não há evidências de que essa abordagem inovadora cause cânceres secundários, refutando preocupações levantadas anteriormente.

© Shutterstock/Reprodução/Agência Einstein
Conclusão é de estudo publicado na “Nature”, que acompanhou a evolução de mais de 700 pacientes que receberam o tratamento nos últimos anos |
A terapia CAR-T cell (receptor quimérico de antígeno) é um tipo de imunoterapia que consiste na modificação genética das células T do próprio paciente para que elas reconheçam e ataquem células cancerígenas de forma mais eficiente. A tecnologia começou a ser testada no Brasil por meio de protocolos de estudo, um deles no Hospital Israelita Albert Einstein e outro na Universidade de São Paulo (USP).
Apesar do seu sucesso no tratamento de leucemias, linfomas e mielomas, havia uma preocupação na comunidade científica sobre o risco de que essa modificação pudesse, eventualmente, desencadear novos tumores. Segundo o hematologista Nelson Hamerschlak, coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Einstein, a suspeita de que a terapia CAR-T poderia induzir a novos cânceres surgiu porque ela envolve a modificação genética de células T por meio de vetores virais.
“Um dos riscos teóricos desse processo é a mutagênese insercional, que poderia ativar oncogenes ou inativar genes supressores de tumor, levando ao desenvolvimento de câncer secundário”, explica Hamerschlak. Além disso, pacientes tratados com a tecnologia CAR-T já passaram por múltiplas linhas de tratamento, incluindo quimioterapia e radioterapia, que causam imunossupressão e podem predispor a neoplasias secundárias.
Segurança em teste
Para investigar essa hipótese, cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, analisaram cuidadosamente dados de 783 pacientes, de 38 ensaios clínicos, que passaram por essa terapia nos últimos anos. Os pesquisadores utilizaram técnicas avançadas de sequenciamento genômico para rastrear possíveis mutações associadas ao tratamento.
Ao longo do período, os cientistas encontraram 18 casos de malignidades secundárias (2,3%), mas afirmam que não houve evidência de que elas foram causadas pela mutagênese insercional. A maioria dos casos envolveu novos cânceres hematológicos, como leucemias e linfomas, e não recaída do câncer anterior. Para os autores, os resultados são claros: as células CAR-T não apresentam alterações que favoreçam o desenvolvimento de tumores, reforçando a segurança da terapia.
Essas conclusões são tão importantes que os dados foram apresentados e amplamente discutidos no último Congresso EHA-EBMT (das sociedades europeias de hematologia e de transplantes de medula óssea e terapia celular) em Estrasburgo, na França. “Os resultados são muito animadores, pois sugerem que o risco de malignidades secundárias é muito baixo e reforçam a segurança da terapia CAR-T no longo prazo”, comenta o hematologista.
Hamerschlak participou do congresso representando o Brasil e conta que, nas discussões, ficou claro que, apesar da preocupação inicial, os dados coletados globalmente não indicam um risco elevado de malignidades secundárias. O foco dos pesquisadores a partir de agora está no monitoramento a longo prazo desses pacientes e na necessidade de registrar e analisar casos suspeitos para descartar qualquer possível associação.
Impacto no tratamento do câncer
A descoberta é um marco importante para a oncologia e pode ampliar ainda mais o uso da terapia CAR-T. A confirmação da segurança do tratamento abre caminho para que mais pacientes tenham acesso a essa tecnologia, além de incentivar novas pesquisas para expandir seu uso para outros tipos de câncer.
“Com base nas evidências disponíveis, podemos afirmar que a terapia CAR-T é segura. Os benefícios são inegáveis, principalmente para pacientes com linfomas, mieloma múltiplo e leucemias refratárias, que antes tinham poucas opções terapêuticas. Os altos índices de resposta sustentada e até de cura observados com CAR-T superam o pequeno risco de malignidades secundárias”, afirma Nelson Hamerschlak.
Atualmente, a terapia CAR-T é aprovada para alguns tipos específicos de câncer no sangue, em pacientes que recidivaram ou pararam de responder ao tratamento. Mas cientistas trabalham para adaptá-la ao tratamento de tumores sólidos, um desafio ainda em aberto. Desde a aprovação da primeira terapia com células CAR-T, em 2017, mais de 30 mil pessoas com câncer no sangue foram tratadas no mundo todo – alguns dos primeiros pacientes entraram em remissões duradouras.
No Brasil, o número de indivíduos tratados com essa tecnologia é pequeno, pois a terapia foi aprovada em 2022 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitário (Anvisa) e está em processo de implementação. “Ainda existem problemas de acesso, pois, apesar da aprovação da Anvisa, os planos de saúde seguem negando o procedimento devido ao alto custo. Geralmente, os casos realizados são judicializados”, conta Hamerschlak.
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein